sexta-feira, outubro 15, 2004

Simplesmente Franz kafka...


A Ponte

Eu era rigido e frio, eu era uma ponte; estendido sobre um precipicio eu
estava. Aquem estavam as pontas dos pes, alem, as maos, encravadas; no lodo
quebradico mordi, firmando-me. As pontas da minha casaca ondeavam aos
meus lados. No fundo rumorejava o gelado arroio das trutas.
Nenhum turista se extraviava ate estas alturas intransitaveis, a ponte nao figurava ainda nos mapas. Assim jazia eu e esperava; devia esperar. Nenhuma ponte que tenha
sido construida alguma vez, pode deixar de ser ponte sem destruir-me. Foi
certa vez, para o entardecer , se foi o primeiro, se foi o milesimo, nao o sei ,
meus pensamentos andavam sempre confusos, giravam, sempre em circulo.
Para o entardecer, no verao, obscuramente murmurava o arroio, quando ouvi o
passo de um homem.
A mim, a mim. Estira-te, ponte, coloca-te em posicao, viga orfa de
balaustres, sustem aquele que te foi confiado. Nivela imperceptivelmente a
incerteza de seu passo, mas se cambaleia, da-te a conhecer e, como um deus
da montanha, atira-o a terra firme. Veio, golpeou-me com a ponta ferrea de
seu bastao, depois ergueu com ela as pontas de minha casaca e arrumou-as
sobre mim. Com a ponta andou entre meu cabelo emaranhado e a deixou
longo tempo ali dentro, olhando provavelmente com olhos selvagens ao seu
redor.
Mas entao, quando eu sonhava atras dele sobre montanhas e vales,
saltou, caindo com ambos os pes na metade de meu corpo. Estremeci-me em
meio da dor selvagem, ignorante de tudo o mais.
Quem era? Uma crianca? Um sonho? Um assaltante de estrada? Um
suicida? Um tentador? Um destruidor? E voltei-me para ve-lo. A ponta de
volta! Nao me voltara ainda, e ja me precipitava, precipitava-me e ja estava
dilacerado e varado nos pontiagudos calhaus que sempre me tinham olhado
tao aprazilvelmente da agua veloz
Franz Kafka.

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