terça-feira, janeiro 19, 2010

Resquicios do meu livro "Além do porto"

Tudo mudava de acordo com seus pensamentos – será possível – pensou ela, agora já como uma grande boneca de pano, olhou para si e meio que anestesiada não conseguia sentir a emoção do momento, pensou não ter controle sobre si mesma, mas sabia que algo de inato existia, como estaria ela sozinha sem o apoio dela própria será que era teu corpo que a sustentava sem a mente.
O que havia acontecido, será que ficaria muito assustada como uma boneca , tentou ter alguma emoção, mais não conseguiu, olhou teus detalhes de renda branca e preta, com longas tiras no cabelo de palha que lhe saltavam da cuca, onde estará todo mundo? – perguntava-se, mas não sabia quem procurava, sua mente parecia vazia, será que havia uma em teu corpo de pano?
Percebeu que não conhecia ninguém por ali, como pode? será um sonho?
Decidiu andar e ver outras coisas olhou tuas mãos e viu que usava luvas e tinha unhas pintadas de preto, lá estava ela uma boneca gótica, com cabelo de palha... incrivelmente estranha.
Após subir um longo morro com grama verde que esvoaçavam altas contra o vento e que as nuvens sobre sua cabeça pareciam correr como cavalos livres ao vento, avistou um pouco a frente um pequeno lago onde uma grande serpente marinha nadava como se fosse um grande rio, olhou, mas não conseguiu sentir medo, nem de morte nem de dor, então pensou ter gostado dessa sensação, mas não conseguia sentir tal emoção, então correu para junto do lago.
Chegou perto de sua margem e agachou diante da borda tentando olhar para a água sem nem mais notar tal presença monstruosa de uma serpente ao teu lado.
A serpente pareceu pasma com tal atitude da boneca, vendo que somente suas formas medonhas não resultariam em uma fuga de espanto da pequena criatura a beira do lago resolveu soltar algumas palavras com sua voz chiada.
- Shhhhhhhh...o que a boneca faz no meu lago, não tens medo de mim shhhh!
A boneca olhou para a grande serpente que balançava seu corpo sobre as águas, mas não teve qualquer reação a tal visão ameaçadora, tentou se lembrar do que chamara sua atenção ao lago, e logo olhou para as águas turbulentas abaixo de tua face, sentiu uma vontade de ver teu rosto na água e logo, percebeu que podia sentir algo, então também percebeu que poderia também sentir medo, mas não ali, olhou para a grande serpente e logo percebeu que tua visão estava como que enevoada por ventos uivantes,como se tivesse dentro de grandes chamas invisíveis, pôs se de pé e falou autoritariamente a serpente marinha
- Porque se mexe tanto em um lago tão pequeno, não vê que assim mal consigo enxergar minha face?
A grande serpente, então a olhou, tentando saber onde estaria tal garotinha atrevida escondida por ali, controlando a bonequinha por algum tipo de ventriloquismo,mas não sentia presença de mais ninguém ali por perto , olhou em direção a pequena boneca a sua frente e aproximou-se a cheirando para que pudesse sentir o cheiro de algo familiar, não seria possível que uma criatura tão pequena estivesse viva e não sentisse medo dela, isso não era aceitável, não a ela, mas outra vez a boneca a surpreendeu com suas palavras audazes.
- Ei! eu não sou comida para você tá legal – disse a boneca
- O que queressss aqui boneca atrevida, não vê que ninguém ssse aproxima de mim, por acasssso você é cega – falou a serpente com uma voz ameaçadora.
- Por acaso você é tão feia que não quer ver a própria face refletida no lago e é por isso que ninguém chega perto de você por ser tão chata e arrogante? – retrucou a boneca com a teimosia de uma criança.
A serpente sentiu-se sem ação para aquele tipo de situação, nunca teve que perguntar a si própria o que fazer, e não gostava nada de tal emoção, não gostava de emoção alguma, sua presença ali era para que ninguém perguntasse o que ali ela fazia, por que então uma boneca haveria de viver diferente de qualquer outro ser daquele lugar, perguntas começaram a se formar na cabeça da serpente e isso não podia ocorrer ou sua função seria extinta e sua vida também.
- Orasssss, que tipo de boneca é você que não tem medo? – perguntou a serpente dessa vez menos ameaçadora, mas mostrando-se incrivelmente irritada com tal presença.
- Tipo de boneca, por acaso, existem outras? por acaso sou diferente, vamos deixe me ver em tuas águas – falou a boneca ansiosa por ver teu reflexo.
- Não deixarei que você saiba quem é, pois sssse deixar não terei maissss função aqui neste lago, ninguém deve olhar para essstas aguasssss.
- Ora arranje outra função então – disse irritada a boneca
- Arranjar outra função, você é louca, não exissste tal coisa, agora vá embora antessss que tenha que tomar decisssssões... – a serpente pareceu confusa no final de suas próprias palavras.
Decisões. Nunca havia tomado decisões antes, nunca teve que pensar antes no que deveria fazer, nunca tivera opções, nem tentara se lembrar de qualquer coisa e agora que tentava lembrar-se de sua procedência, sua mente parecia estar ficando muito rápida.

Rápida demais.

- Oras então porque estou aqui agora, por acaso minha função é lhe importunar? – a boneca agora é quem parecia ameaçadora
- Mas que raios, teens razão você irá me importunar toda a vida, terei que matá-la então, ou esssstarei perdida com você ssssempre ai em meu lago. – a serpente pareceu já estar no limite de sua insanidade
- Oras me matar, pois é assim que resolve teus problemas? – falou novamente a boneca com um ar de malcriação.
Não o tinha até tua chegada – retrucou já ameaçadora a serpente como se já tivesse em mente o bote que iria usar a acabar com tal criaturinha insignificante diante sua presença mortal.
- È por isso que ainda esta neste lago, você nunca vai crescer se não enfrentar teus problemas, não ligo de desaparecer aqui dentro de suas presas assustadoras, mas de alguma forma vou sair daqui e você não – a boneca agora parecia não se importar com a morte e tinha uma certeza irritante de suas palavras.
E agora o que foi isso, sentiu a boneca um estalo em seu coração, tenho coração! – pensou então posso ter sentimentos, lembrou-se de alguém lhe falando às palavras que acabara de pronunciar, será esta a voz do coração, as coisas começavam a aparecer e sua vista deixava de se enevoada, tudo deixava de parecer somente um sonho, e ainda não tinha medo da serpente, pois não tinha tal noção de realidade, mas queria continuar a conversa , estava empolgada por mostrar aquela serpente o quão idiota ela estava sendo.
Como poderia uma serpente tão burra e ser dona de um lago.
A serpente estava parada de boca aberta serrada, enquanto uma baba viscosa descia pelas suas presas, parecia hipnotizada, sem qualquer movimento, sua mente tinha muitas perguntas , tentava se lembrar desde quando ali estava, tinha pequenos flashs de lembranças, um barco no mar, uma lua no horizonte, papéis sobre a mesa, discussões, o que era isso? Como parar tais imagens?

A boneca olhou para o longo horizonte agora que a serpente parecia uma estátua,como um monumento do lago, não quis se perguntar o que acontecera , a água do lago ali estava ficando calma e tua imagem estava ficando cada vez, mais nítida, olhou ...e olhou até que começou a ver alguém, mas...


A boneca não entendia, não era ela no lago, mas outra pessoa, um jovem com cabelos loiros encaracolados com grandes olhos verdes, e um sorriso que a deixou feliz ...contente demais. Começou a sorrir deitou-se ao lado do lago e começou a dar altas gargalhadas, não sabia o porque, não sabia a razão, mas tinha certeza que aquela imagem na água era a razão de algo. Algo que deveria descobrir.
A serpente deixou rolar de seus olhos, uma gota de lágrima que lhe escorreu até que caísse de teu corpo.
A gota solitária fez um longo trajeto no ar até sua chegada nas águas calmas do lago, nesse pequeno instante que pareceu uma eternidade, todas as lembranças que não existiam na mente da serpente começaram a aparecer, sentiu saudades sentiu falta, sentiu dor, mas não em teu corpo gélido, sentiu que o tempo passara e que nunca deixara que ninguém lhe mostrasse tua face, nunca tinha deixado que ninguém visse que são realmente, pois também nunca tinha descoberto quem era.

A gota tocou o véu de água calma, que por assim ser criou grandes círculos que foram crescendo até a margem.

A serpente ouviu então uma melodia como que de cristais tocados por músicos celestiais e pela primeira vez em tua vida olhou para baixo enxergando tua face na água, olhou e não pode compreender logo de cara, pois uma dor terrível lhe cortava a alma...

Estampado na água como linda imagem de um belo quadro estavam as faces de uma linda mulher de cabelos curtos, com o rosto já marcado pela idade, mas bela como uma fada, e ao teu lado uma doce menina abraçava a bela dama, uma garota doce com cabelos pretos da cor da dama, mas com um olhar triste que dizia que algo não estava bem...Nada bem...

A serpente percebeu...percebeu e sentiu muita angústia, olhando praa aqueles rostos, quiz se libertar e de repente percebeu que podia, que estava livre tinha escolhido e feito uma opção, tudo ao teu lado começou a se transformar em um grande tornado de chamas invisíveis, antes que tudo se tornasse escuro teve tempo de olhar para a pequena boneca que sorria muito, caída sobre a grama, mas mesmo assim espantada com os movimentos ao seu redor, a serpente sorriu e isso foi a ultima visão que a boneca teve da enorme serpente que havia sobre o lago que mostrava a razão de cada um estar ali, mas não mostrava o porquê antes de se tornar apenas pedra, uma estátua como que lembrando algo como tudo naquele universo.

Em algum lugar, em uma cidade metropolitana, as linhas eletrônicas de um aparelho de hospital começaram a ter mudanças substanciais, uma lágrima descia do olho do paciente do 1º andar do hospital central, do quarto 16, da ala de observação.
Um dia depois as cinco e trinta e sete da manhã, um furgão que entregava os jornais diariamente nas bancas de revistas da região, trazia um exemplar quem contava uma história fantástica a respeito de um empresário de 47 anos que acordava de um coma misterioso.
Após a perda de seu filho mais velho, que havia morrido de overdose por altas doses de cocaína, o empresário que nunca em sua vida teve tempo para sua família entrara em depressão profunda por três dias caindo em um coma profundo por um ano cinco meses e dezessete dias.
O empresário acordou chorando na ultima manhã, e ao ver tua família, pensaram que ele teria um ataque cardíaco, disseram que ele devia ficar em observação sem emoções muito fortes, ele então sorriu e suas palavras estão na matéria do jornal aonde ele dizia:
- Estive em observação durante todo este tempo sem viver, sem emoções, estive sem emoções desde que deixei de saber quem eu era, meu filho morreu por eu nunca deixar que ele soubesse quem eu era, pois se soubesse que eu era seu pai e que eu o amava, as coisas estariam de outra maneira, mas se isso não tivesse ocorrido ainda seria uma serpente, preso em um lago que mostra a razão pelo que deveríamos viver naquele momento, eu não o deixei ver a razão dele e também nunca vi a minha...- abraçou sua família e chorou sem vergonha um choro triste soluçante - em meios as lágrimas dizia a tua família que os amava e que não iria abandonar nunca mais a razão de tua vida.
Os médicos não tiveram qualquer reação, sentiram-se iguais perdendo tuas vidas sem se lembrarem da razão a que viviam.
Aos poucos foram deixando o quarto, naquela tarde muitas pessoas ouviram que eram amadas por filhos, esposas, maridos, pais irmãos e mesmo sem entender sorriram ao dizer – Eu também!
Após todos deixarem o quarto, a filha feliz do empresário correu de volta ao quarto a pegar sua boneca feita pela avó, que tivera deixado sempre ao lado do pai para que quando ele acordasse não se sentisse só.
Arrumou o cabelo de palha da pequena boneca com pequenas tiras de panos costuradas pelo corpo e disse.
- Obrigada por cuidar do papai kel – beijou ternamente a boneca e correu em direção a sua família.


Em algum lugar alguém sabe que coisas que não são possíveis pela lógica e pela razão se tornam possíveis diante a simplicidade de pequenas ações, mas ações estas que se tornam impossíveis quando se usa a razão que se impõe diante do contexto atual.
Estou falando de acreditar, acreditar na magia do mundo na magia real ter beleza no coração e na mente, coisas que o homem esta tentando tirar das crianças, tirar a inocência, mal sabem que a inocência é deles e que há uma eterna criança dentro de nós .. Que não morre por outras mãos senão a nossa, e mesmo assim esta criança só permanece inconsciente...
Talvez em um outro mundo em um outro Universo... Onde se prende, mas também se liberta basta abrir os olhos.

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